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SATYRIANAS, O FILME - POR LUIZ PINHEIRO


SATYRIANAS, O FILME


Luiz Pinheiro





                                                

" A minha arma é poesia/ e o meu verso é munição./ Tô na funçaõ do dia-a-dia./ Bala na agulha da emoção". (L.P.)

            Fui assistir ao filme “Satyrianas: 78hs em 78 minutos”, descompromissadamente e com curiosidade. Imaginei que fosse ver um simples registro documental do evento que ocorre todo ano na Pça Roosevelt e do qual já participei algumas vezes.

      É mais que isso. O filme é um misto de documentário e ficção, o que não constitui uma novidade nos tempos atuais, mas o interessante é que o modo de fazê-lo, o clima e a aparente anarquia quase trash do documentário, parece-se muito com o que ele retrata. Há ali um ideologia do que é fazer teatro, que também poderia ser fazer cinema, e por que não, eu arriscaria, até TV?

      O que se evidencia aos poucos é aquele jeito de fazer arte, onde o artista está na corda bamba, expondo-se ao risco o tempo todo, sendo coerente e paradoxal, abolindo certezas, superando limites, rompendo a possível linha divisória entre as diversas modalidades de manifestação artística, porém sem perder o fio da meada, a essência do que é a arte.

      O teatro de que se fala ali não é o espelho da sociedade, mas sim a sua recriação. É a realidade que se torna ficção, a ficção que constrói a realidade, que por sua vez interfere na ficção e abre um espaço intermediário, onde a possibilidade de pensamento e reflexão se instaura e o Novo pode eclodir. Como não pensar no espaço transicional de Winnicott, no terceiro analítico de Ogden, no pensamento em busca de pensadores a que se refere Bion? Talvez possamos falar da arte à procura de artistas. 

      "Está tudo solto na plataforma do ar...Quem vai querer comprar banana?" Modernismo, Tropicália, Pós- modernismo, Oswald, Zé Celso, Nelson Rodrigues. Tudo ali numa salada tropical apetitosa, numa culinária refinadíssima, sem se posar de.

      Conheço a história dos Satyros desde sua instalação na Praça Roosevelt e acompanhei a luta do Ivam e do Rodolfo, aos quais se agregaram outros artistas, para fazer daquele espaço o que é hoje: o maior caldeirão criativo atualmente em vigor no Brasil. Artistas de todos os Estados vêm mostrar seu trabalho, trocar informações, expor suas inquietações e fazer parte dessa usina criativa, aberta dia e noite.

      O filme faz jus a tudo isso e vai além. Insere-se totalmente no que retrata a ponto de a gente se perguntar quem retrata quem, o que é fantasia, o que é realidade? E se isso realmente importa. Essa abertura para um questionamento mais profundo num clima descontraído é que o difere de outros documentários.

      Esse jogo lúdico rende muitos momentos engraçados, como a cena do Ivam, enebriado, mostrando para o público o seu humor, a sua densidade, a sua ousadia, a sua genialidade caótica, que só a alguns privilegiados até então, era dado conhecê-los. 

      Ou momentos densos, como aquele em que a atriz Phedra de Córdoba, na pele de uma catatônica, com pequenos movimentos de mãos, nos brinda com um balé mágico, lírico e surreal, como que a nos transmitir, além da dor da personagem, o poder indomável e indiscutível de seu talento.

      Destaco também o ator Leandro Luna, impecável e totalmente convincente em seu personagem.  
      Aimar Labaki, Mario Bortolotto, Hugo Possolo, Raul Barreto, Rubens Ewald Filho, José Celso, e outros, trazem seus depoimentos sinceros e , à vezes, contundentes, alinhavados pelo de Roberto Alvim, que muito apropriadamente vai nos situando naquele carnaval sincrético, despojado, e dionisíaco, que se constrói e se desconstrói alternadamente, mostrando que os artistas naquela praça vieram para romper os alambrados da caretice nacional e dizer que estamos vivos, atentos e fortes, sem tempo de temer a morte. 
      Parabéns aos diretores Daniel Gaggini, Fausto Noro e Otávio Pacheco, aos atores e à toda a equipe que participou dessa empreitada.


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