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VISUAL ARTV - MENDES WOOD DM - PREDICTION - ABERTURA 28 DE MAIO - CURADORIA DE MILOVAN FARRONATO

PREDICTION -Trailer-

Prediction
curadoria / curated by Milovan Farronato
 
Abertura / Opening
Sábado, 28 de Maio, das 16h às 20h
Saturday, May 28th, 4 - 8 pm

Anal House Meltdown, Giorgio Andreotta Calò, Julie Béna, Adriano Costa, Raúl De Nieves,
Patrizio Di Massimo, f.marquespenteado, Haroon Mirza, Chiara Fumai, Celia Hempton, George Henry Longly,
Christian Holstad, Runa Islam, Zhana Ivanova, Goshka Macuga, Liliana Moro, Christodoulos Panayiotou,
Naufus Ramirez-Figueroa, Mathilde Rosier, Prem Sahib, Daniel Steegmann Mangrané, Santo Tolone,
Erika Verzutti, Wilhelm von Klöden, Philip Wiegard

Mendes Wood DM
Rua da Consolação, 3358
Jardins, São Paulo
 
Paris, 12 de fevereiro de 2016

Caro Milovan,

Na noite passada sonhei com nada: preto puro. E uma narração: a voz de Marilyn Monroe.

Ela repetia apenas três palavras num crescendo desanimador: “Eu já sabia”. Ela repetia isso várias vezes por algum tempo: “Eu já sabia, eu já sabia, EU JÁ SABIA, EU JJÁ SSA-BBI-A”. Começava como uma carícia suave. O instável sussurro ofegante da loira que nós fomos ensinados a “preferir”. Mas o sussurro de Marilyn rapidamente transformou-se em um agudo grito gaguejante. Cada vez mais alto. Acordei sentindo-me perturbado.

Liguei para o Jean. Ele me contou que Marilyn tinha um problema crônico de gagueira e fez muitas aulas para disfarçá-lo. Uma vez domada sua própria voz, ela treinou intencionalmente para soar como se “ela estivesse acabando de acordar” e, por consequência, “todos nós pensávamos em acordar ao lado dela”. Então eu percebi que eu sonhei com a Marilyn voltando a ser a Norma Jeane. Eu vi Marilyn acordando ao lado dela, desiludida. Ouvindo sua verdadeira voz e vendo-a interpretar o papel mais secreto em que ela atuou, ela mesma.

Me lembro vividamente do dia em que fui apresentado ao termo “Ironia Trágica” na escola. Era um outubro quente. Eu devia ser calouro no ensino médio. Foi durante uma das primeiras aulas que tive sobre “Literatura grega antiga”. Estávamos estudando “Édipo Rei”, de Sófocles, e nossa professora descreveu a “Ironia Trágica” como o único filtro através do qual deve-se ler o teatro antigo. Ela disse que “quando as palavras e ações dos personagens contradizem a situação, a qual os espectadores compreendem por completo” isso adiciona uma tensão específica à narrativa. Muitos anos depois, na França, eu aprenderia que o termo “Ironia Trágica” era desconhecido dos poetas gregos antigos e, assim, não poderia ter sido um fim em si mesmo. Foi cunhado muitos anos depois, em 1833, por um bispo anglicano chamado Conhop Thirlwall e parece ser o mero produto do encontro entre Moral Cristã e Romantismo.

No mesmo dia em que nossa professora nos apresentou ao termo “Ironia Trágica”, Eva, minha colega de escola, convidou-me para assistir – pela primeira vez – “Os homens preferem as loiras”. Era o segundo filme que eu via com Marilyn e a parte que mais me fascinou foi a em que Marilyn desaparece para dar lugar à Jane Russell cantando “Ain't that Αnyone Ηere for Love.” Eu não sei por quê, mas eu fiquei totalmente hipnotizado. Talvez fosse por causa da dança desajeitada dos atletas ou pelos gestos meio descoordenados de Russell... com certeza pelo encontro altamente erotizado destes dois corpos inflexíveis.

Em algum momento por volta do quarto minuto, eu notei um acidente. Enquanto os atletas estão saltando por cima de Russell um deles bate em sua cabeça violentamente e arrasta-a para a piscina, de ponta cabeça. Não foi planejado, parecia bem brutal, mas por algum motivo foi mantido na edição final do filme. Talvez eles tenham gostado, talvez tenham achado engraçado, ou quiçá deixaram como um registro consciente na mitologia cinemática da trívia – uma piada interna? Quem sabe...

Daquele dia em diante eu desenvolvi uma obsessão doentia por assistir e re-assistir a cena do acidente, a cena toda ou apenas aquele exato momento. Eu rebobinava e assistia, rebobinava novamente e assistia de novo e de novo. E foi através deste ritual sem fim que eu passei a entender melhor o termo “Ironia Trágica”, de um ponto de vista mais dinâmico. Aquele do círculo vicioso que inclui o espectador, o ator, a ação e o personagem que está preso à ação. A consciência do que espera-se que aconteça assim como nossa inabilidade em fazer qualquer coisa que não seja assistir a cena acontecendo. Conhecemos o mito, assistimos o filme, Jocasta vai se enforcar e o atleta sexy vai arrastar Russell para dentro da piscina, mas ninguém impedirá o incesto de Jocasta com seu filho Édipo ou reverterá a cena que está sendo projetada. Ficamos ao mesmo tempo paralisados e fascinados pelos eventos e suas repetições.

 Tirésias, o profeta cego de Apolo em Tebas, sabe o que não quer contar à Édipo, mas ainda assim ele dirá, e a tragédia ocorrerá. Ele sabe disso, nós também sabemos. E esta é a chave para a “ironia” dupla: o destino do Rei que casou-se com sua mãe e o de Tirésias, que já previa as coisas mais horríveis mesmo antes deles tornarem-se parte da narrativa. Édipo é subjugado uma vez por seu destino, Tirésias é subjugado duas vezes. Ele é o catalisador da narrativa ao mesmo tempo em que está diante dela. Ele é o motor dramático e ao mesmo tempo um elemento trágico. Um espelho perfeitamente construído do espectador, pode-se dizer.
Nossa professora nos contou que o sábio vidente, além de seu poder de predizer o futuro, também gozava de um privilégio único no imaginário dos gregos. Tirésias foi o único homem a ter transformado-se em uma mulher. Assim, ele havia vivido como uma mulher e tinha uma compreensão interna de ambos os gêneros: em uma versão do mito ele viveu por sete anos como uma sacerdotisa no templo de Hera, casou-se e teve filhos. Em outra versão, ele teria vivido como uma prostituta de grande renome.

Eu imagino Tirésias falando com a voz de Marilyn, sussurrando com um desejo cintilante a vontade dos deuses aos humanos e a vida secreta dos humanos aos deuses. Um dia, ele foi chamado ao Monte Olimpo para ajudar Zeus e Hera em uma discussão que eles tiveram. Eles discordavam sobre “quem tem mais prazer no sexo”. “Se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove e o homem com uma", disse Tirésias com a voz de Marilyn. Hera, chateada, tornou-o cego instantaneamente. No entanto, ele não perdeu sua visão porque previu algo ruim, e sim porque confirmou um fato.

 Um grupo de cientistas anunciou na quinta-feira ter gravado o som de dois buracos negros colidindo a um bilhão de anos-luz de distância. Um pio fugaz que confirma a teoria da relatividade geral de Einstein. Tentei imaginar a fraca elevação. Deve ter soado como a voz cintilante de Marilyn, e Einstein deve tê-la ouvido muito tempo antes. Assim como ele previu, há mais de um século, o que apenas agora está sendo provado, ele também deve ter acordado com a voz de Marilyn muitas vezes antes daquilo.
Dizem que Marilyn e Einstein tiveram um caso. Marilyn tinha muitas fotos de Einstein nos lugares em que viveu, e uma delas continha uma anotação com a caligrafia de Einstein: "Para Marilyn, sou eternamente grato!". Ele era grato por que sua voz fez-lhe compreender em uma manhã quente de outubro como as ondas gravitacionais agitam-se no tecido do espaço-tempo? Não é um grande paradoxo que tenhamos levado tanto tempo para confirmar o que Marilyn sabia e assobiou à Einstein?

Estou ansioso para vê-lo, em breve, em Londres.
Com amor, da terra das previsões não cumpridas,

Christodoulos
Paris, 12 February 2016

Dear Milovan,

Last night I dreamed of nothing: Pure black. And a voiceover: the voice of Marilyn Monroe.

She repeated only four words in the most disheartening crescendo: “I knew it anyway”. She said this over and over for quite some time: “I knew it anyway, I knew it anyway, I KNEW IT ANYWAY, I KN-NE-E-E-W IT A-A-A-ANYWA-A-AY”. It started as a soft caress. The breathy unstable whisper of the blonde type we’ve been taught to “prefer”. But Marilyn's whisper soon transformed into an acute stuttering scream. Louder and louder. I woke up feeling perturbed.

I called Jean. He told me that Marilyn had a life-long stuttering problem and took many lessons to conceal it. Once she tamed her own voice she consciously trained herself to sound as if “she was just waking up” and by consequence “we all thought to wake up next to her”. I then realized that I dreamed of Marilyn’s return to being Norma Jeane. I saw Marilyn waking up next to her disenchanted. Hearing her real voice and seeing her perform the most secret role she ever played, herself.

I remember vividly the day at school when I was introduced to the term of “Tragic Irony”. It was a warm October. I must have been a high school freshman. It was during one of the first lessons of “Ancient Greek Literature” I ever had. We were studying Sophocles’ “Oedipus the King” and our teacher presented “Tragic Irony” as the sole filter through which one shall read ancient drama.  She said that “when the words and actions of the characters contradict the real situation, which the spectators fully realize” this adds a specific tension in the narration. Many years later, in France, I would learn that the term “Tragic Irony” was unknown to the ancient Greek poets and thus could have not been an end in itself. It was coined many centuries later, in 1833, by an Anglican Bishop named Connop Thirlwall and it seems to be the pure product of the encounter between Christian Morality and Romanticism.

On the very same day that our teacher introduced us to the term of “Tragic Irony”, my school friend Eva invited me to watch – for the first time – “Gentlemen Prefer Blondes”. It was the second film with Marilyn that I was watching and the extract which fascinated me most was the only part in which Marilyn disappears to give place to Jane Russel singing “Aint that Αnyone Ηere for Love”. I don’t know why but I was totally mesmerized. Perhaps it was due to the graceless dance of the athletes or the slightly discoordinated moves of Russel... surely the highly eroticized meeting of those two inflexible bodies.

Somewhere, around the 4th minute, I noticed an accident. While the athletes are jumping aligned on top of Russel’s head one of them violently hits her head and drags her into a swimming pool, legs up. It was not planned, it looked quite brutal, but for some reason they kept it in the final cut of the film. Maybe they liked it, maybe they found it funny, or perhaps they meant it as a conscious entry to the cinematic mythology of trivia – a private joke? Who knows...

From that day on, I developed a sick obsession with watching and re-watching the scene of the accident, the whole scene, or just that exact moment. I rewound and watched it, rewound it again and re-watched it over and over. And it was through this endless ceremony that I got to understand better the term of “Tragic Irony” from a more dynamic perspective. That of the vicious cycle enclosing the viewer, the actor, the action, and the character who is trapped in the action. The awareness of what is expected to happen as well as of our inability to do anything but to watch it happening. We know the myth, we’ve seen the film, Jocasta is going to hang herself and the sexy athlete is going to drag Russell into the pool, but nobody will stop Jocasta’s incest with her son Oedipus or reverse the scene which is being projected. We are both paralyzed and fascinated by the events and their repetition.

Tiresias, the blind prophet of Apollo in Thebes, knows what he does not want to tell Oedipus, but he will still say it and the tragedy will occur. He knows it, we know it as well. And this is the key to a double “Irony”: The fate of the king who married his mother and that of Tiresias who would predict the most horrible things even before they become part of the narration. If Oedipus is enslaved once by his fate, Tiresias is enslaved twice. He is the catalyst of the narration while he stands before it. He is the dramatic motor and a tragic element himself. A perfectly constructed mirror of the spectator one might say.

Our teacher told us that the wise clairvoyant, beyond his power to predict the future, had enjoyed a unique privilege in the imaginary of Greeks. Tiresias was the only man to have ever been transformed into a woman. He had thus lived as a woman and had an internal understanding of both genders: in one version of the myth he lived for seven years as a priestess at Hera’s Temple, he got married and had children. In a different version he lived as a prostitute of great renow.

I imagine Tiresias speaking with the voice of Marilyn, whispering with flickering desire the will of the Gods to humans and the secret lives of humans to the Gods. One day, he was summoned to Mount Olympus in order to assist Zeus and Hera with an argument they had. They disagreed on “who has more pleasure in sex”.  "Of ten parts a man enjoys one only." Tireseas replied, with the voice of Marilyn. Hera, upset, struck him instantly blind. He did not therefore lose his vision because he predicted something bad, but because he confirmed a fact.

A team of scientists announced on Thursday to have recorded the sound of two black holes colliding a billion light-years away. A fleeting chirp that confirms Einstein’s general theory of relativity. I tried to imagine the faint rising. It must have sounded like Marilyn’s flickering voice and Einstein must have heard it long before. As he predicted more than a century ago what is just now being proved and as he must have woken up with the voice of Marilyn several times before that.

Rumor has it that Marilyn and Einstein had an affair. Marilyn had several pictures of Einstein in the places she lived and one of them bore a note in Einstein’s handwriting: "To Marilyn, I am forever grateful!”. Was he grateful because her fvoice had made him understand on a warm October morning how gravitational waves ripple in the fabric of space-time? Isn’t it a great paradox that it took us so long to confirm what Marilyn had known and whistled to Einstein?

I am looking forward to seeing you soon in London.
With love from the land of unfulfilled predictions,

Christodoulos

PREDICTION episódio / episode 1
https://vimeo.com/161041432

PREDICTION episódio / episode 2
https://vimeo.com/162291100

PREDICTION episódio / episode 3
https://vimeo.com/162291100
Rua da Consolação 3358
Jardins São Paulo
SP 01416 –  000 Brasil
+ 55 11 3081 1735

www.mendeswood.com
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@mendeswooddm

De segunda a sábado, das 10 às 19h
Monday–Saturday, 10am – 7pm
 
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