Uma leitura diária dos muitos assuntos relacionados como mudanças climáticas 10 de maio de 2022
Aexplosãodo desmatamento na Amazônia em abril passado parece não ter aparecido no radar do ministro Paulo Guedes. Em evento realizado em Brasília nesta 2a feira (9/5), o outrora “Posto Ipiranga” do presidente da República disse que precisávamos "receber pagamento pelos serviços ambientais que prestamos”. O fato de essa cobrança acontecer no momento em que a floresta amazônica se aproxima de mais um recorde anual histórico de desmate não trouxe qualquer constrangimento ao ministro, pelo contrário. Ele defendeu que o Brasil precisa receber esses recursos por conta de sua relevância ambiental, a despeito do fato de que o próprio governo atua aberta e explicitamente contra a proteção do meio ambiente. Ou seja, o governo segue na base da chantagem internacional para forçar governos estrangeiros a “pagar o resgate” do meio ambiente brasileiro. Folha,Poder360e Valorrepercutiram a fala de Guedes. Sem a mesma cara-de-pau, o vice-presidente Hamilton Mourão reconheceu que os dados recentes do desmatamento na Amazônia são “horrorosos” para o Brasil. Questionado sobre a situação, o general-vice sugeriu que a escalada do desmatamento pode estar associada à proximidade do processo eleitoral, momento no qual a expectativa de fiscalização seria menor por parte dos criminosos. “Estamos vendo onde é que estamos errando”, comentou. Uma dica, general: se o problema é saber onde está o erro, basta olhar no espelho. O Palácio do Planalto está repleto deles - erros e espelhos.
O Ministério Público Federal (MPF) encerrou na semana passada a investigação sobre a morte de duas crianças Yanomami na comunidade Makuxi-Yano, que supostamente teriam sido sugadas por um draga de garimpo no ano passado. O inquérito concluiu que as mortes teriam sido acidentais e que os equipamentos de mineração presentes no entorno não teriam contribuído para o ocorrido (esquecendo-se que, se não estivessem no entorno, as crianças não teriam sido sugadas por eles). Como destacouO Globo, os procuradores da República em Roraima deixaram diversas críticas no relatório final ao “descumprimento omissivo dos deveres de proteção e fiscalização da União, IBAMA e FUNAI” na Terra Yanomami. O documento informa que até mesmo os investigadores sofreram com os efeitos do garimpo: durante mergulhos no rio Parima, eles teriam sofrido com “fortes coceiras decorrentes do contato com as águas contaminadas”. O aspecto do rio, segundo o relatório, é praticamente morto, sem a presença de fauna e com suas margens tomadas por fragmentos de rocha e lama. “Tais danos afetam diretamente os Makuxi-Yano e as demais comunidades da localidade”, assinalaram os procuradores. O texto também cita que a atuação dos garimpeiros na região é constante e explícita, com os equipamentos de exploração atuando cada vez mais próximos de aldeias indígenas. Enquanto isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) que colaborem nos esforços para conter o garimpo na Terra Yanomami, “estrangulando” a logística de transporte e de comunicação que permite a realização e a continuidade das atividades ilegais. A ação pede ao STF que determine o corte no fornecimento de internet aos grupos garimpeiros dentro da reserva e que os postos de combustível restrinjam a venda do produto para os garimpeiros no entorno dessa área. O Globodeu mais detalhes. Por falar em infraestrutura para o garimpo, o Estadão abordou a situação da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará, onde a empresa Equatorial Energia está fornecendo eletricidade para as casas de grileiros, garimpeiros e desmatadores. Segundo a reportagem, a companhia já foi multada em mais de R$ 3,3 milhões por instalações irregulares dentro da reserva, mas ainda não conseguiu resolver a questão. Com energia garantida, os criminosos estão avançando sobre a floresta: a Cachoeira Seca está entre as TIs com as maiores taxas de desmatamento nos últimos anos.
Caso a União Europeia adote a definição de floresta usada pela FAO na implementação de suas políticas de combate ao desmatamento, mais de 3 milhões de km2 de vegetação nativa na América do Sul poderão ficar vulneráveis ao desmatamento. O alerta é de um estudo elaborado pelo MapBiomas e divulgado na semana passada. Segundo a análise, caso a UE incorpore a classificação de floresta da FAO em seus planos para restringir a importação de commodities associadas ao desmatamento, pelo menos 16% da Amazônia ficariam expostos à destruição florestal. Na Caatinga, mais de 90% não teriam qualquer proteção. No Pantanal e no Cerrado, cerca de 70% de suas áreas não se encaixam nessa definição. Para a FAO, floresta é um tipo de terreno cujo índice de densidade de cobertura arbórea é superior a 10%, com superfície maior que 0,5 hectare e árvores com altura mínima de 5 metros quando maduras. No entanto, muitos ecossistemas não se encaixam nesse conceito restritivo. “Há muitos ecossistemas que não estão dentro dessa categoria e que têm um amplo valor biológico e também são muito ameaçados pela expansão da agricultura e da produção de commodities”, explicou Jean-François Timmers, do WWF-Brasil, coautor do estudo, à RFI. “Não há um valor maior para um ecossistema porque ele tem árvores maiores, já que você pode ter um ecossistema baixo, mas com uma grande riqueza de plantas, como orquídeas e plantas endêmicas, além de fauna endêmica”.
A proliferação de projetos e intervenções de pequeno porte no Pantanal está criando uma verdadeira colcha de retalhos regulatória que, em seu acumulado, coloca em risco o futuro do bioma. O alerta é de pesquisadores brasileiros, que publicaram uma carta na revista Bioscience destacando como essas pequenas ações, ainda que legais do ponto de vista jurídico, não consideram os impactos agregados sobre o ecossistema pantaneiro, gerando assim um “ponto cego” que pode tornar-se ainda mais grave à medida que a mudança do clima e o desmatamento na Amazônia avançam. “Usando uma metáfora recente para os ataques sutis ao Pantanal, nós estamos assistindo à ‘cupinização’ do Pantanal”, comentou Rafael Chiaravalloti (IPÊ e Smithsonian Conservation Biology Institute) no blog da Mírian Leitão n’O Globo. “Os pequenos ‘buracos’ espalhados vão sendo feitos sem que nos demos conta do dano real em uma visão superficial. Se nós não cuidarmos de olhar as coisas em detalhe, esses ‘buracos’ se tornam tão numerosos que podem levar o Pantanal a um grande risco”. Um exemplo dessa “cupinização” é o crescente número de projetos hidrelétricos nos rios que compõem a bacia pantaneira. O processo de licenciamento de muitas dessas obras considerou apenas as consequências locais do empreendimento, sem levar em conta o impacto dela sobre a vazão de água nos rios. Outro exemplo é a implementação de uma hidrovia no rio Paraguai baseada em intervenções permanentes.
O grupo das sete maiores economias do mundo (G7) confirmou no último domingo (8/5) que pretende proibir ou eliminar gradualmente as importações de petróleo da Rússia, em mais um esforço para isolar o governo de Vladimir Putin no contexto da invasão russa à Ucrânia. Em declaração conjunta divulgada pelo governo dos Estados Unidos, os membros do G7 não deram detalhes sobre como essa ação se dará, mas reforçaram que pretendem atuar conjuntamente para “garantir suprimentos globais de energia estáveis e sustentáveis e preços acessíveis aos consumidores, inclusive acelerando a redução de nossa dependência geral de combustíveis fósseis e nossa transição para a energia limpa”. Nos últimos meses, países como Estados Unidos e Reino Unido anunciaram um bloqueio às importações de combustíveis russos. Essa proposta também tem sido discutida pelos membros da União Europeia, mas a alta dependência de algumas das principais economias do bloco com o petróleo e o gás natural russo segue dificultando uma ação concertada de boicote à indústria fóssil de Moscou. Na semana passada, a Comissão Europeia propôs uma moratória gradual para as compras de petróleo da Rússia para os próximos meses, mas o governo da Hungria já sinalizou que pretende vetar a medida. A Bloomberg destacou a movimentação diplomática da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para convencer as autoridades húngaras da proposta. No entanto, outros países do Leste Europeu também sinalizam desconforto com um possível boicote ao petróleo russo, como a Bulgária, a Eslováquia e a República Tcheca, como informou a Euronews. Enquanto isso, as exportações de petróleo russo pelo mar seguem sem maiores restrições. De acordo com a Bloomberg, os embarques de combustível nos portos russos se mantiveram estáveis nas últimas semanas, com o carregamento de quase 25 milhões de barris. Por outro lado, a receita do governo russo com os impostos de exportação caiu, um reflexo das dificuldades para vender o combustível a um preço lucrativo para outros mercados fora da Europa.
O subcontinente indiano, no sul da Ásia, vive dias de extremos climáticos. Há quase um mês, boa parte do noroeste e do norte do país, bem como a maior parte do Paquistão, experimentam uma forte onda de calor que elevou as temperaturas para a casa dos 45oC. Agora, a porção leste da Índia, bem como Bangladesh, se preparam para a chegada do ciclone Asani, que deve levar chuvas fortes para algumas das áreas afetadas pelo forte calor. De acordo com o Departamento Meteorológico da Índia, os estados de Andhra Pradesh, Odisha e Bengala Ocidental devem sofrer com os impactos mais fortes da tempestade, com a previsão de chuvas de até 115 milímetros acumulados em 24 horas. A expectativa é de que o Asani perca força até o começo desta 3a feira (10/5), transformando-se em uma tempestade ciclônica com ventos de até 95 km/h. The Weather Channel deu mais informações. Enquanto isso, do outro lado do subcontinente, o calor intenso deve continuar até o final do mês. O Washington Post informou que as temperaturas mais altas provocaram o derretimento de geleiras no norte do Paquistão, o que causou uma inundação repentina na região do Monte Shishpar. A água irrompeu com velocidade, destruindo uma barragem e invadindo casas e edifícios no distrito de Hunza. O colapso da geleira também preocupa os cientistas, tanto pela velocidade na qual aconteceu como pela precocidade do ocorrido, ainda em plena primavera, quando as temperaturas tendem a ser mais amenas do que no verão. Na Índia, o forte calor das últimas semanas sinaliza que a atual onda pode ser a mais severa da história recente, superando aquelas registradas em 1998 e 2015. No entanto, como também destacou o Washington Post, os óbitos por ora são muito mais limitados do que no passado. Para especialistas, uma possível resposta é a própria capacidade dos indianos de experimentar e suportar episódios desse tipo, moldada por recordes seguidos de temperatura alta e ondas de calor mais frequentes. Ainda assim, os impactos não são desprezíveis: além das perdas na lavoura, o forte calor causa prejuízos econômicos na produtividade dos indianos, com a perda média de mais de 100 bilhões de horas de trabalho por ano.
A Convenção da ONU sobre Desertificação (UNCCD) abriu sua 15a Conferência das Partes (COP15) nesta 2a feira (9/5) na Costa do Marfim. Menos conhecida do que suas “irmãs” relacionadas à diversidade biológica (CDB) e mudança do clima (UNFCCC), a UNCCD lida com uma preocupação ambiental importante para os países africanos: o avanço da degradação do solo, que impacta não apenas na produção de alimentos, mas também na disponibilidade de água e nas condições de vida local em muitas nações da África. A RFI destacou os principais pontos do encontro. A ideia dos anfitriões em Abidjan é antecipar parte das discussões que devem acontecer em novembro na Conferência do Clima de Sharm el-Sheikh (COP27), no Egito - em particular, o apoio financeiro dos países ricos para projetos que combatem a desertificação e o aquecimento global, como o plantio massivo de floresta. “Nossa cúpula acontece em um contexto de emergência climática que impacta duramente nossas políticas de gestão de terras e exacerba o fenômeno da seca”, destacou o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, durante a abertura da COP15 de Desertificação. “Os povos [do planeta] depositam uma grande esperança em nossa ação. Não temos o direito de desapontá-los”. Um dos objetivos concretos do encontro de Abidjan é criar um programa para restauração de terras com cerca de US$ 1,5 bilhão de financiamento para um período de cinco anos ainda nesta década. Os recursos permitirão o uso de ferramentas tecnológicas para impulsionar o plantio de árvores, como drones para distribuir as sementes, além de estudos sobre espécies mais resistentes à seca para reparar as terras degradadas. A Reuters deu mais detalhes.
Um estudo publicado na revista Science na semana passada trouxe um verdadeiro raio-X das redes de lagos e rios de água líquida que correm debaixo das grandes plataformas de gelo na Antártica Ocidental. A descoberta mostrou que o impacto da água derretida na base dessas estruturas pode ser muito maior do que o estimado até agora, e a interação entre o gelo e água líquida pode trazer implicações ainda desconhecidas sobre o ritmo de degelo no Polo Sul. A água líquida é um ator importante no ciclo das grandes plataformas de gelo na Antártica. Ao longo do tempo, a água derretida entra no bloco congelado, lubrificando suas bases de cascalho e permitindo sua marcha em direção ao mar. Nos últimos anos, diversos estudos identificaram centenas de lagos e rios na base dessas estruturas, formados a partir da intensificação do calor nas regiões polares, um dos efeitos da mudança do clima. Porém, até pouco tempo atrás, os dados sobre essas redes de água líquida debaixo do gelo antártico eram escassos. É nesse ponto que o novo estudo traz sua principal contribuição, ao identificar as diversas redes de água líquida que se formaram na base das plataformas de gelo na Antártica Ocidental. Os pesquisadores focaram esforços no Whillans Ice Stream, um dos “córregos” que alimentam a plataforma de gelo de Ross, a maior do mundo. Para conseguir um panorama das profundezas do gelo, eles utilizaram a técnica de imagem magnetotelúrica, que mede a penetração na Terra da energia eletromagnética natural no alto da atmosfera. Essa energia é conduzida em diferentes graus por gelo, sedimentos, água doce, salgada e rochas. A partir dessa “ressonância magnética” do gelo, os pesquisadores conseguiram esboçar os mapas da água líquida debaixo das plataformas de gelo. O estudo revelou que, dependendo da localização, os sedimentos se estendem abaixo da base do gelo de meio quilômetro a quase dois quilômetros antes de atingir o leito rochoso, e esses sedimentos estão carregados com água líquida. A estimativa é de que, se tudo fosse extraído, seria possível formar uma coluna de água de 220 a 280 metros de altura, pelo menos 10 vezes mais do que nos sistemas hidrológicos rasos dentro e na base do gelo. “A quantidade de água subterrânea que encontramos foi tão significativa que provavelmente influencia os processos do fluxo do gelo. Agora, temos que descobrir mais e entender como incorporar esses dados aos nossos modelos”, comentou Chloe Gustafson, pesquisadora da Universidade de Columbia (EUA), principal autora do estudo.
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