Da Lama ao Caos, do Caos à Lama¹
É o excesso, o aglomerado, as lives. Somos nós em bits na tela para disfarçar a ausência, as propagandas levadas no bolso, a vigilância constante. É a saudade, a distância, o novo velho, o velho novo. É o desgoverno, o medo, a mentira tratada de verdade, as verdades duvidosas. É o que resta de esperança, o amor enlatado, é o caos, “é a lama, é a lama”…
O roteiro de uma tragédia anunciada em 2016 se faz ainda mais nefasto com a Pandemia. Impensável ignorar o agora, são vidas e acontecimentos que influenciam o fazer artístico, nutrido pelo sensível cotidiano. Na elaboração de um discurso, é essencial refletir sobre o presente, os papéis da memória e do esquecimento, lembrando que parte do nosso passado fica registrado nos chamados objetos de cultura. Através das reminiscências, uma sociedade concebe sua história, costurando os enredos do passado para entender o presente e construir um futuro comum.
Como vamos olhar para o mundo daqui pra frente? Quais as implicações de uma civilização cada vez mais aglomerada, envolta em um excesso de informações e estímulos? O desenvolvimento através de fatores como o consumo, crescimento do PIB, rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social, nos levou ao aumento exponencial da população mundial, porém sem a garantia de expansão das liberdades individuais². Há tempos enclausurada em si mesma, seja pelo trabalho obrigatório, pelo entretenimento fugaz ou simplesmente pela rotina, a sociedade agora encontra-se obrigada a repensar certezas e “Enfrentar a vida com toda a força dos seus anticorpos e outras defesas que você nem supõe possuir”³.
Diante da situação atual, a Lume acredita ser justo dar voz a todos os artistas que, em decorrência do que vivemos, foram afetados com adiamento de exposições, cancelamento de projetos e eventos, sendo assim, o recorte feito pela galeria apresenta, por meio de uma seleção diversa, a possibilidade de imaginar um lugar distinto dentro da sociedade, um ambiente que surge das novas formas de medir o tempo, de interagir, de desenhar o espaço e vivenciar o outro.
Em novembro de 2018, diante de um cenário incerto de regressão de direitos adquiridos, questionamos: “Aonde Vamos”?⁴. Agora, quase dois anos depois, com algumas respostas, propomos nos reconstruir não mais pelo individualismo caracterizado pela era das “selfies”, mas por pequenos gestos e ações coletivas que atuam para transformar, com urgência, o presente.
1. Da Lama ao Caos, Chico Science & Nação Zumbi, 1994; 2. Texto da exposição “Plethora”, na Galeria Lume em 2017; 3. Frase da obra “Enfrentar a Vida”, de Nazareno, 2019; 4. Nome da exposição realizada na Galeria Lume em novembro de 2018.
Paulo Kassab Jr., curador.
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